domingo, 5 de abril de 2009

[ShortStory] Eu e o Ryūjin... (parte II)

Para quem já não se lembra...

Não sei porquê, a Kami nunca gostou muito do Ryūjin. Quando lhe perguntava os motivos não me sabia responder, apenas retorquía que ele não lhe inspirava confiança. Que os seus olhos escondiam qualquer coisa mas que não conseguia explicar. A Kami era única pessoa que não se deixava levar pelas histórias dele. E eu… eu sempre pensei que fossem ciúmes.
Afinal a minha irmã mais nova começava a achar que o Ryūjin era mais importante para mim do que ela.
Mas como é que ela poderia pensar isso?
A nossa família sempre foi o pilar das nossas vidas e quando se desmoronou ela era a única com quem eu podia contar. Sempre.
Mas, também, não compreendia como ela podia não confiar no Ryūjin, a única pessoa que alguma vez me fez sorrir depois do ataque do Uesugi. Era ele que me dava forças para continuar e era por eles que às vezes pensava que devia por de parte os meus planos de vingança. Mas apenas por breves instantes, afinal destruíram as nossas vidas, as nossas terras, a nossa família.

E o Ryūjin também queria vingança. Queria descobrir se tinha sido o exército do Uesugi a raptar a sua irmã e o que lhe tinham feito.
Por isso desde o dia em que conheci o rapaz com os olhos mais bonitos de todo o reino que não temos deixado de fazer planos… planos sobre a vingança, planos sobre como vamos fazer o Uesugi sofrer.

A minha sede de vingança levava-me à manipulação, conseguia convencer tudo e todos com o meu discurso metódico de que faço isto pelas nossas Terras e não pela vingança, pelos seus filhos e não porque vou ter um gosto sórdido em ver arder o homem que mandou destruir a minha família e o meu templo.
Até a pessoa mais ponderada do clã me dava forças, Yamato concordou em treinar-me durante o tempo que fosse necessário, até que eu conseguisse bater-me com o Uesugi de igual para igual.
Todos sabíamos que seria uma luta injusta, todos já tinham ouvido as histórias de como era impossível matar o Uesugi, pois antes era preciso matar o seu dragão e segundo reza a lenda esse é imortal.

Com a ajuda de Yamato, Kami e Ryūjin fui liderando o clã, sem nunca descurar as seis horas de treino diário a que obrigava Yamato. Faça chuva, neve, sol, esteja doente ou sem forças nunca nestes anos falhámos um dia de treino.
A minha espada! Quem ma entregou foi Yamato, o nosso tutor. Foi ele que me ensinou a lutar. Foi ele que me ensinou a empunhar uma espada, foi ele que me ensinou a usar toda a minha energia em combate. Foi ele que me ensinou a amar a minha espada, a senti-la como se fosse uma parte de mim. E se eu o consigo, já nem o meu pai me vencia com a espada. Quando empunho a espada ganho uma nova vida, parece que me transformo. Eu e a espada, pertencemos uma à outra. E como eu gosto de lutar, como eu gosto de vencer.

Durante anos, eu e o Ryūjin fomos inseparáveis. Estávamos sempre juntos, ele ajudava-me em tudo o que era preciso. Trabalhava nas terras, ajudava-me nos discursos, nas compras, nas negociações com os outros senhores. Lutava comigo, limpava-me as feridas e acima de tudo amava-me. Dava-me um amor que eu nunca tinha tido. Não aquele amor fraternal que o meu pai e o Yamato sempre me deram. Mas o tipo de amor que uma princesa adulta precisa.

E durante anos o Uesugi deu-nos descanso, aparentemente as terras deixaram de lhe interessar desde que assassinou o meu pai. Poder-se-ia dizer que a minha vida era quase perfeita. Não fosse a sede de vingança que me atrofiava o coração, não fosse não termos notícias da irmã do Ryūjin, não fossem as saudades dos meus pais.

A minha irmã cresceu e acabou por se habituar à ideia de ter o Ryūjin por perto. Quando decidiu ir estudar para Kyoto não consegui dizer-lhe que não. Claro que tinha medo, tinha medo do que lhe pudesse acontecer, tinha medo que ela nunca mais voltasse, mas se era o que ela queria tinha de a apoiar nessa decisão.
Tratei de todos os preparativos, arranjei uma casa nobre onde lhe pudessem dar a melhor educação e mandei com ela a sua serva predilecta.

Nesta altura, comecei a sentir-me cada vez mais sozinha. O Ryūjin desaparecia durante dias, nunca dando uma explicação credível sobre onde tinha estado, apenas me conseguia dizer que tinha ido atrás de uma nova pista sobre a sua irmã. Tantas vezes pensei em dizer-lhe que, ao fim de tantos anos, o mais certo era a sua irmã estar morta. Mas nunca me atrevi. Ele era movido pela mesma raiva que eu, não quero imaginar qual seria a reacção dele se proferisse tais palavras.

Mas as suas ausências começaram a tornar-se cada vez mais frequentes, mais longas e mais estranhas. Quando voltava não era o mesmo Ryūjin que eu conhecia.

(continua...)

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